Desde criança meus olhos brilhavam um pouco mais para os desenhos japoneses do que para os outros tipos de desenhos. Cresci assistindo muitos deles, e na puberdade, comecei a entender o que era anime (desenho japonês), mangá (quadrinho japonês), o direcionamento de público, e etc. De início via os de briga, que eram os mais comuns na TV brasileira, e apesar de serem protagonizados por homens, tinham histórias mais emocionantes do que os outros desenhos. Vez ou outra uma personagem feminina dava às caras como guerreira (10 x 0 para Disney e suas princesas), isso quando não era “Sailor Moon”, Sakura Card Captor ou algo assim… animes cheios de representações femininas. Eu me senti contemplada!
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Sailor Moon e as Sailors: Um marco no protagonismo feminino |
Certamente na adolescência foi a época na qual mais consumi animes. De luta, de magia, para meninas, para crianças, mais adultos, com mechas, suspense… ufa. No entanto, os afazeres da vida, a pouca facilidade em baixar e armazenar no computador, distanciaram-me um pouco desse universo. Anos depois, tornou-se muito fácil entrar em contato com as produções recentes ou mesmo aquelas clássicas, e as toneladas de remakes e continuações dos animes célebres me fizeram voltar com força total a assistir animes! Só que meu olhar mudou bastante...
É impossível dissociar minha visão de mundo e questionamentos ao me deparar com os enredos das histórias que assisto. Revisitar alguns animes é uma experiência louca, cheia de nostalgia, por vezes desapontamento ou até alívio. Eu tento sempre entender que o Japão é um país culturalmente diferente, que por vezes a história é mais antiga e ainda está imbuído de convenções tradicionais.. Entretanto, felizmente, existem exemplos bons em meio aos ruins e daí posso tecer uma crítica comparativa.
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Samurai X ou Rurouni Kenshin: boas representações femininas, mas sempre em segundo plano |
Que as produções voltadas para os garotos era machista, isso eu estava careca de saber. Com protagonismo masculino, mulheres objetificadas ou usadas como adorno, personagens femininas de relevância em pouca quantidade…. Mesmo em alguns dos animes que gosto, eu já notava isso (alguns isso é bem perceptível, outros nem tanto). Agora, algo que eu não tinha tanta ideia era no quão machista os mangás voltados ao público feminino eram! Para mim, shoujo era meio que certeza de ver representação feminina, tanto na autoria quanto nas personagens, a exemplo de Sailor Moon, com sua quantidade enorme de meninas de vários tipos, algumas que gostam de meninas, outras que se reconhecem como garoto, que querem um amor para a vida toda ou apenas trabalhar (ou os dois).
Ao assistir novos animes adaptados de mangás shoujos (direcionados a meninas), ficou evidente o quão certos valores japoneses estão arraigados e perpetuados. Relacionamentos abusivos, romantização de agressão, pouco enfoque em como a violência é nociva, superestimação do relacionamento romântico, adequação à padrões tanto de beleza quanto comportamentais para se alcançar a felicidade… tudo isso é muito presente em shoujos – não vamos ignorar que em “Crepúsculos”, novelas brasileiras e outros enredos ocidentais isso também existe - , colocado com naturalidade e como mote do enredo.
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Irie e Kotoko: desprezo, desprezo e migalhas de amor |
Não sou, porém, aquela pessoa que deixa de assistir alguma produção com história interessante por conta desse tipo de problema. Prefiro continuar a assistir, com meu senso crítico. Tento descobrir o que posso tirar proveito dali. Uma das minhas reflexões está em torno do "macho alfa", o galã perfeito, o cara maravilhoso, poderoso, popular, lindo, inteligente, com uma sedução ligeiramente possessiva e violenta (Itazura na Kiss, Cinquenta Tons de Cinza, entre outros). Esse tipo é muito comum nos mocinhos de shoujo. É naturalizada essa superioridade do galã em relação a mocinha comum, sujeita a humilhações e dependência emocional resolvidas com beijos ou "eu te amo". Um péssimo exemplo para uma menina que ainda está aprendendo a se aceitar.
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Kenshin Humira ensina a ser um bom marido, sem ser perfeito |
O irônico é que em alguns shounen lembro de personagens que seriam muito melhores maridos do que os de shoujo. A exemplo de Kenshin Himura de Rurouni Kenshin. Ele foi assassino à mando do governo, lutava por uma causa, mas sabia que aquilo era errado. Arrependeu-se, tornou-se uma pessoa pacata, madura, cozinha, lava, faz todos os afazeres domésticos, respeita o espaço da Kaoru, não é um cara que se usa do seu poder ou acredita que sua amada é sua posse. Não é perfeito, possui vários defeitos, porém mesmo no alto de suas habilidades extraordinárias, é mais realista que Usui de Kaichou Wa Maid-Sama.
Até mesmo o Inuyasha: imaturo, egoísta, amargo por conta de sua condição de meio-demônio (renegado por demônios e humanos), vivendo em uma Era antiga, com sua dose de machismo, e no eterno dilema romântico, por mais ciúmes que sentisse, por mais dúvidas que tivesse, esperava ver Kagome feliz, mesmo que não fosse perto dele e nunca forçou uma situação com a garota. Kagome é ciente dos defeitos de Inuyasha e os enfrenta de igual para igual. Ela não idealiza o ciúme ou os sentimentos confusos de Inuyasha, mas reconhece que ele a ama, a respeita, e preza por ela e por seus amigos.
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a imaturidade de Inuyasha |
Já nos shoujos são situações forçadas onde o garoto (na maioria das vezes popular) parece fazer um favor ao se relacionar com a garota (muitas vezes alguém comum ou até impopular), de maneira que “beijos roubados”, humilhações e abusos se tornam recurso para desenvolver e apimentar o romantismo. Itazura na Kiss é o exemplo mais recente em que vi algo assim, e é agoniante de tantos exemplos. Ao Haru Ride também tem algumas cenas que me deixaram de cabelo em pé, como quando mocinho questiona o motivo da mocinha se deixar estar à sós com ele – um homem – , pois isso pode culminar em algo ruim para ela (ser molestada, abusada). Não posso nem falar da experiência horrível de espiar "Diabolik Lovers" Quase traumatizante..
Enfim, aguardem nas minhas resenhas também abordar esse viés, sem deixar de apontar a parte positiva, claro! Sou mulher e quando criança, adolescente, queria muito ter visto mais personagens que me contemplassem e relacionamentos menos idealizados. Alguns animes advindos de mangás shoujos como “Lovely Complex”, “Peach Girl” e “Kimi ni Todoke”, são positivos nesse sentido e isso merece ser destacado! E óbvio, também falarei do tema quando se tratar de shounen, seinen, jounen, entre outros...
Obs: Se você é homem ou mulher, feminista ou não, vem trocar umas ideias aqui. Com respeito, todo mundo é bem vindo!
Postado por Bruh
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